Durante passagem recente por Nova Iorque visitei a exposição inaugural das novas instalações do ICP, que deixou o centro de Manhanttan para se instalar na Bowery Street, no Lower East Side, em frente ao badalado New Museum. Andando pela mostra Public, Privat and Secret, ou Publico, Privado e Secreto, me lembrei de várias coisas: do meu primeiro e-mail, que por consequência me abriu as portas da internet, isso lá em 1995. Lembrei do meu sabático em Londres e das imensas lan houses em 2001. Recordei voltar de Barcelona para Londres no fatídico 11 de setembro daquele ano, e refleti sobre o que seria aquela situação nos dias de hoje, com as redes sociais ocupando nossas vidas.
A exposição me fez pensar também na série que começou na BBC e que agora é um original Netflix e que havia acabado de começar a acompanhar: “Black Mirror”. Agora, enquanto escrevo, já consumi avidamente suas três temporadas, que exploram a perturbadora confrontação entre o “ser” humano e a evolução exponencial da tecnologia, da conectividade e da inteligência artificial.
Público, privado e secreto, faz um belíssimo trabalho de especulação em torno do uso da imagem e da cultura visual nesse contexto de imersão digital em que nos encontramos. Trafega pelo obscuro e amplo espaço virtual disponível atualmente e contrapõe autores com aptidão para o voyerismo em suas obras, tais como Weegee, Andy Warhol, Cindy Sherman, Henri Cartier-Bresson, Garry Winogrand, Ron Galella, Sophie Calle, Feliz Alpern, com vídeos e imagens extraídas de plataformas como Youtube ou Twitter, por artistas visuais como Natalie Bookchin em “Testamento” ou John Rafman em “Mainsqueeze”, que os reempacotam, produzindo intrigantes narrativas originais a partir do caos do confessionário aberto da web.
Entre várias obras provocativas, vale destacar a liberdade da curadora britânica convidada, Charlotte Cotton, em expandir sem qualquer receio as fronteiras da bidimensionalidade da fotografia impressa e emoldurada, o que parece ser a nova postura do ICP, em sua nova sede.
Pela mostra passeiam multiplataformas de difusão: fotografia tradicional, videoarte, cinema, obras sonoras e instalações em felizes interseções. Um bom exemplo é a proposta de John Houck que a partir de stills do mítico filme Blow-Up, submetidos a um software de reconhecimento facial passa a encontrar o rosto do ator David Hemmings em detalhes da paisagem que poderiam ser confundidos com a cara do ator, como sombras na folhagem, por exemplo. Uma espécie de teste dos “ainda” existentes limites dos softwares em comparação ao olho humano, numa era de programação para encontrar o terror onde não existe, possa, a partir da insistência, se manifestar.
Apoiada numa vasta quantidade de ações paralelas, como debates, encontros e oficinas, Público, Privado e Secreto, não traz nada mastigado para o visitante, mas desperta muitas reflexões e questionamentos, lembranças de um tempo menos complexo em que ainda havia sentido ouvir da vó ou da mãe, “quer se exibir, pendure uma melancia no pescoço”.
Ainda na calçada do lado externo do prédio, a mensagem óbvia é: sua imagem está sendo gravada e poderá ser usada para qualquer fim. Aos mais incomodados com essa situação de vulnerabilidade da privacidade, a mostra chegou até a oferecer um workshop sobre como apagar a presença virtual e eliminar rastros na rede. Para qualquer um que hoje se questiona sobre privacidade, vigilância constante, superexposição e até mesmo o lugar ocupado por celebridades na sociedade atual, a exposição no ICP vale cada minuto da visita, que merece ser longa, ou repetida. Fica a dica para eventuais sortudos brasileiros que tenham viagem marcada para Nova Iorque nesse fim de ano, ou estejam por lá até o dia 08 de janeiro, quando a mostra se encerra.